Ser, Nada Mais Que Real



Nos deparamos com um mundo complexo e repleto de possibilidades, algumas questões nos movem a pensar quem somos, em essência. Podemos ser quem desejarmos, podem afirmar alguns, não somos nada, respondem outros. O que diremos pois, diante de tal vicissitude?
Desde o nascimento da filosofia, em berço grego, várias cogitações se nos foram apresentadas, mas  trazendo um pouco ao período mais moderno, temos Descartes, em sua obra “O discurso do método” (1637), endossando “Penso, logo existo”.
Esse existir traz consigo a noção de “ser”, mais do que representar. Ao que parece, o representar tem sido mais utilizado do que o próprio ser em nossa contemporaneidade. Prova disso são os diversos “perfis” nas redes sociais, as fotos “naturalmente forjadas”, os cursos de “apresentação pessoal” entre outros que tomariam muitas linhas desse pequeno pensamento transcrito.
Ser envolve maturidade, responsabilização, e não podemos negar, uma tarefa muito onerosa de rejeição a tudo aquilo que pode ser agradavelmente superficial. Envolve pensamento, despertar de emoções e reconhecimento de limitações, isso tudo em certo mundo sem limites, pluralista e relativo...  Afinal, porque ser apenas eu mesmo? Preciso e desejo agradar, interpretar, preencher, e por que não dizer dissimular?

Mostrar fraqueza a ganho de quê? Nos revestimos então daquilo

que o psicanalista D. W. Winnicott (1979) chamou de “falso self”, literalmente um falso eu, que responde ao mundo externo conforme lhe é imposto, ainda que isto lhe custe sua saúde psíquica.
Encontramos no ambiente terapêutico, a possiblidade de sermos nada mais do que nós mesmos. Em ambiente seguro, no vínculo de afeto existente entre terapeuta e paciente, percebemos um outro ser humano que não detém o saber, mas é simplesmente real. Esse conceito nos foi presenteado por outro psicanalista, W. R. Bion (1962) em sua obra “O Aprender com a experiência”, descrevendo a interação transparente ocorrida entre o terapeuta real com um paciente real.

Nesse pensamento, podemos nos lembrar de uma passagem bíblica narrada no livro de Êxodo, capítulo 3, livro este que narra a saída do povo hebreu do Egito, onde eram escravizados. Conta-nos então o capítulo que Deus aparece a Moisés numa chama de fogo em certo arbusto, e lhe diz que ouviu o clamor de sofrimento do povo, e deseja libertá-los por meio da liderança deste homem. Moisés, aterrorizado, questiona como dirá ao faraó do Egito, e ao próprio povo hebreu, que serão libertos, e  pergunta a Deus “em nome de quem” deve dizer que foi enviado. Deus então lhe diz “diga que o EU SOU QUEM SOU te enviou”. Enquanto poderíamos aguardar um nome misterioso, uma grande lista de atributos e características místicas, o que temos é uma afirmação genuína de ser simplesmente quem se é.


No caos do mundo contemporâneo, conseguir olhar para dentro de si mesmo e “enxergar-se” como alguém dotado de conflitos, paixões e necessidades e capacidades, a fim de conhecer-se a si mesmo, parece quase impossível (se em alguns casos não o for). Mas exemplos como esses nos mostram que vincular-se a alguém que reconhece ser nada mais que real, nos acolhe e nos encoraja a simplesmente “ser quem somos”. 

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